Um decreto editado pelo governo federal com diretrizes para a atuação das agências reguladoras recebeu avaliações discordantes de especialistas ouvidos pelo Broadcast. Para eles, o normativo está na linha tênue entre uma espécie de código de conduta ou um dirigismo regulatório – quando o Estado interfere no papel do regulador.
(Comentários do sócio fundador Wesley Bento em matéria publicada no portal Broadcast)
O ato do Executivo (nº 12.150/2024) foi publicado um dia após o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, cobrar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – via ofício – agilidade na regulamentação de decisões do Executivo.
Foi criada a chamada “Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória” no prazo de dez anos, e quinze preceitos que devem ser seguidos pelos órgãos reguladores, sem detalhamento de critérios.
A revisão periódica do estoque regulatório, a simplificação da regulação e a adoção de “medidas regulatórias” para reduzir a burocracia são alguns dos exemplos. “É uma tentativa de tentar criar uma predição, uma interferência do Poder Executivo em relação às agências, e trazendo isso com uma linguagem um pouco mais aberta, no sentido de aferição de resultados, no sentido de revisão periódica”, opina Paulo Valois, sócio do Schmidt Valois Advogados.
Ele diz observar com desconfiança o fato do tema ser tratado via decreto. Pela Lei das Agências Reguladoras, o controle externo sobre sua atuação é realizado pelo Congresso Nacional, por meio do Tribunal de Contas da União (TCU). Esse fato foi levantado pelo diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, em resposta ao ofício do ministro de Minas e Energia.
“Do ponto de vista jurídico, o decreto tem pouca efetividade, cheio de princípios e conceitos abertos”, menciona José Augusto de Castro, sócio e especialista em direito administrativo do TozziniFreire Advogados. Ele não observa nenhum mecanismo de intervenção na atividade regulatória desempenhada pelas agências – o que, caso contrário, estaria ferindo o regime jurídico que atualmente disciplina a atuação das agências reguladoras, caracterizado pela independência decisória.
O texto do governo prevê que o tempo e os recursos investidos no processo regulatório devem ser alocados “conforme o impacto regulatório estimado e a efetividade das medidas”. Ou seja, em última análise, os diretores, em tese, devem estabelecer uma ordem de prioridades nas deliberações.
“A Estratégia Nacional Regula Melhor, instituída no regulamento, não constitui ingerência no poder normativo das agências reguladoras, mas em ação focada na melhoria do planejamento do poder regulador e de etapas relacionadas ao processo regulatório”, declara Wesley Bento, especialista em direito administrativo e sócio da Bento Muniz Advocacia. “O decreto não dá margem para o Executivo reformar ou alterar decisões das agências reguladoras. Não se identifica nenhum risco de insegurança jurídica”, acrescenta.
O ato também fala em accountability, como diretriz para responsabilização e obrigação de prestação de contas sobre ações que foram ou deixaram de ser feitas. Em outra frente, é mencionada a necessidade de articulação com os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com vistas a promover a “coerência regulatória”.
A Estratégia Regula Melhor foi criada no âmbito do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG), gerido pelo Executivo. O governo justifica que a meta é aprimorar a qualidade da regulação, com redução de assimetrias e buscando maior previsibilidade. Houve contribuições da iniciativa privada.
“Do ponto de vista da indústria, estamos bastante confortáveis que isso pode trazer resultados que mercado tem demandado [de agilidade na regulamentação]. Quanto ao desdobramento que isso pode impactar na Aneel e outras agências, eu acho que ainda é cedo para avaliar”, analisa o secretário de Indústria e Comércio do Instituto Nacional de Energia Limpa (INEL), Wladimir Janousek.
O secretário acredita que a padronização do processo regulatório, com normas consolidadas e maior clareza de critérios, tende a trazer mais transparência. Um comitê gestor vai dispor sobre as ações que deverão ser executadas no âmbito da Estratégia Regula Melhor, como o monitoramento e a avaliação das atividades necessárias à implementação desse programa.
O grupo tem representantes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Casa Civil, e ministérios da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, do Planejamento e Orçamento, e da Fazenda. Também há representantes da Advocacia Geral da União e da Controladoria Geral da União.
“É crucial que essa melhoria [prevista] não comprometa a autonomia das agências reguladoras. O risco de ferir princípios legais, como a independência e a imparcialidade das agências, existe, especialmente se as diretrizes do decreto forem interpretadas de maneira a subordinar as decisões técnicas a interesses políticos”, pondera Mozar de Carvalho, sócio fundador da Machado de Carvalho Advocacia. Ele diz ser necessário “clareza” sobre os limites deste ato do governo.
Por Renan Monteiro