O instituto da compensação tributária consiste no direito do contribuinte de utilizar crédito, decorrente de pagamento de tributo indevido ou realizado a maior, passível de restituição, como forma de quitação de seus débitos tributários.
Artigo do sócio Ary Athayde Jr, coautoria da advogada Júlia Morizono para o portal Consultor Jurídico – CONJUR.
Publicada em 29 de dezembro de 2023, a MP 1.202 de 28 de dezembro de 2023 integra o conjunto de medidas adotado pelo governo federal com a finalidade de reforçar a arrecadação federal. Seu teor, em suma, revoga os benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e, parcialmente, a desoneração da folha de pagamento para determinados setores, limitando a compensação tributária para créditos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado que superem R$ 10 milhões. A justificativa para a citada limitação consiste em conferir previsibilidade na utilização dos valores compensados e viabilizar que o Fisco calcule o impacto das compensações em sua receita.
Especificamente quanto à limitação à compensação de créditos tributários, é de rigor destacar ponto sensível trazido pela norma recém-publicada, que implica em sua flagrante inconstitucionalidade, qual seja, a violação a direitos e garantias fundamentais.
Com efeito, ao estabelecer regras para a utilização de créditos tributários decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, a MP 1.202/2023 viola frontalmente o direito do contribuinte à compensação tributária, previsto no artigo 170 do Código Tributário Nacional, e a segurança jurídica, decorrente do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito”.
De acordo com o texto da MP, que alterou o artigo 74 da Lei 9.430/1996 e acrescentou o artigo 74-A à referida lei, a compensação de crédito decorrente de decisão judicial com trânsito em julgado deverá observar o limite mensal estabelecido por ato do Ministério da Fazenda, ou seja, ainda carece de regulamentação, de modo que seu valor não poderá ser inferior a 1/60 do valor total do crédito reconhecido judicialmente.
Em verdade, observa-se que a medida do governo restringe o direito à compensação assegurado legalmente ao contribuinte, o que é permitido somente por meio de lei, nos termos do artigo 170 do CTN. Portanto, o ordenamento jurídico não autoriza que haja a limitação do direito de compensação através de medida provisória, sendo permitido somente que, repisa-se, através de lei, seja autorizada a compensação ou fixadas as suas condições.
Não obstante, também cumpre destacar a ofensa ao princípio da segurança jurídica, consagrado no como garantia fundamental na Constituição, especificamente em seu artigo 5º, XXXVI, ao passo que as limitações de tempo e de valor trazidas pela MP se sobrepõe às decisões judiciais definitivas que reconheceram o direito de compensação do contribuinte, colocando-o em situação desfavorável perante o fisco, na qual um direito judicialmente reconhecido tem sua executividade frustrada em detrimento das narradas restrições.
Ainda, não se olvide a situação prejudicial ao contribuinte trazida pela medida provisória, uma vez que, após todo o tempo dispensado para ver seu direito à compensação reconhecido judicialmente, não poderá utilizá-la da maneira que lhe for conveniente e que atenda seu planejamento econômico, ficando restrito ao escalonamento e aos limites impostos.
Deste modo, a MP 1.202/2023 coloca em xeque a eficácia do instituto da compensação tributária, gerando um cenário de insegurança jurídica, em flagrante ofensa ao direito do contribuinte, que levará, por certo, à judicialização da questão.
Fonte: CONJUR