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Os contratos administrativos ainda precisam ser legais?

Os contratos administrativos ainda precisam ser legais?

A presença da ilicitude deve vir acompanhada de eficazes medidas de reprimenda, seja para sancionar os envolvidos maliciosamente na sua prática, como para evitar que o responsável por ela usufrua de qualquer benefício.

(Artigo do sócio fundador Wesley Bento para o portal Valor Econômico)

Era uma vez uma ponte. Bem, ainda não era exatamente uma ponte, mas a obra em andamento. Então veio a descoberta: a licitação para essa ponte havia sido fraudada.

Por muito tempo, a reação jurídica no Brasil para situações como essa foi simples: ilegalidade= nulidade. Influenciados por dogmas rígidos, que resistiam à modernização do Direito Administrativo, a administração pública focava quase exclusivamente na patologia, ignorando o paciente. O interesse público parecia estar ligado à preservação da legalidade a qualquer custo – independentemente das consequências práticas.

A antiga Lei de Licitações refletia essa mentalidade. Ela previa que a autoridade deveria anular licitações irregulares. E, com a anulação da licitação, vinha também a nulidade do contrato subsequente, de forma retroativa. Em resumo: a ponte ficava pela metade.

Trinta anos se passaram e fizeram bem ao cenário administrativo no Brasil. A Constituição Federal passou a ocupar o espaço que sempre lhe foi reservado na pirâmide de Kelsen e incorporou o princípio da eficiência na administração pública. O legislador também começou a operar, corrigindo certos exageros que sacrificavam o espírito da norma e o interesse coletivo em nome de um formalismo rigoroso.

A Lei do Processo Administrativo Federal, que comemora 25 anos enquanto assiste ao prenúncio de seu fim no Senado Federal, embora ainda insista na nulidade de atos ilegais, já traz um tom mais equilibrado. Ela estabelece que a administração deve, sim, anular atos ilegais, mas faz um convite à convalidação, desde que esses atos não causem lesão ao interesse público ou prejuízo a terceiros, e que os vícios sejam sanáveis, como os relacionados à forma ou à competência.

Com a Lei de Segurança Jurídica, o administrador foi instigado a pensar nas consequências de suas decisões, sobretudo quando estas visam corrigir ilegalidades ou revisitar entendimentos ultrapassados. Os órgãos de controle foram orientados a dialogar mais com a realidade do gestor, considerando o contexto no momento da prática do ato antes de aplicar sanções severas.

Já a reforma da Lei de Improbidade Administrativa deixou de punir atos culposos e ajudou a enfrentar o “apagão das canetas”, enquanto a Lei de Liberdade Econômica trouxe princípios como a presunção de boa-fé e a vulnerabilidade do particular frente ao Estado, além de instituir direitos como o de receber tratamento justo, previsível e isonômico, e de não ser punido com base em termos subjetivos ou abstratos.

E do caldo desse movimento foi beber a nova Lei de Licitações, para quem a correção dos vícios sanáveis é obrigatória. E mesmo os insanáveis, aparentemente, só poderiam causar nulidade do contrato caso ela se revelasse medida de interesse público, de acordo com aspectos que passam pelos impactos econômicos e financeiros; os riscos sociais, ambientais e à segurança da população; entre outros. A lógica teria se invertido e a regra passaria a ser preservar todos os contratos ilegais, exceto se a proclamação de nulidade trouxesse vantagens à administração e isso demandaria forte ônus argumentativo.

Mas calma lá! Esse prestígio à manutenção de contratos ilegais, em um país como o Brasil em que osvícios administrativos são uma constante histórica, poderia servir de estímulo às práticas ilícitas. E não parece ser essa a melhor interpretação, considerando que o respeito ao princípio da legalidade – mesmo com sua feição menos atrelada à ideia de lei em sentido estrito – é inerente ao Estado Democrático, direito fundamental do cidadão e princípio constitucional da administração.

Dizer que a nulidade do ato ilegal é excepcional equivaleria a dizer que o normal é prestigiar o injurídico e que o princípio da legalidade estaria sempre submetido a questões de pragmatismo político ou econômico, em vez de sua conformação observar um juízo concreto de ponderação. O passo seria largo demais no sentido da validação espontânea de contratos ilícitos, abrindo brechas largas para consolidar situações indefensáveis.

A contribuição da nova lei, para evitar que o avanço se torne retrocesso, não pode estar em relegar a importância da legalidade em si, mas em obrigar o gestor a promover a ponderação do caso para não sacrificar o interesse público com proclamação automática e irrefletida da nulidade; e respaldar legalmente o gestor público que opte, motivadamente e à luz de parâmetros razoavelmente considerados, pela manutenção do ato.

Além disso, a presença da ilicitude deve vir acompanhada de eficazes medidas de reprimenda, seja para sancionar os envolvidos maliciosamente na sua prática, como para evitar que o responsável por ela usufrua de qualquer benefício: o crime não pode compensar. A administração deve exigir, inclusive, indenizações adequadas, tanto para si – em casos de superfaturamento, por exemplo – quanto para terceiros que foram prejudicados pela competição desleal. Assim, o dano será integralmente reparado.

Por outro lado, os agentes devem ser treinados para lidar com seleção e fiscalização dos contratos, remunerados de forma condizente com as atribuições, e premiados por adotarem soluções ousadas com responsabilidade.

Seguindo esse roteiro, com o foco em resultados inteligentes, a ponte será concluída, os bandidos serão punidos, os mocinhos se sairão bem e essa história terá um final feliz.


Fonte: Valor Econômico

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