O Ministério da Fazenda focou nas controvérsias tributárias sobre lucros no exterior para estrear o primeiro edital de transações de 2024. De certa forma, a escolha surpreendeu tributaristas, já que o tema passou na frente de outros assuntos que estão no radar do Fisco, como em relação a cobranças de PIS e Cofins, com centenas de bilhões em discussão. A avaliação é de que pesou na escolha o fato de o contencioso relacionado aos lucros no exterior alcançar valores altos, embora, relativamente, envolva poucos processos.
Comentários da advogada Márcia Sepúlveda em artigo publicado no portal Broadcast.
Já as controvérsias sobre a cobrança de PIS e Cofins devem ser mais numerosas e espinhosas, o que inclusive coloca em dúvida o potencial de adesão dos próximos editais que serão lançados pela Receita e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Para engajar os contribuintes, os descontos precisarão ser muito atrativos, apontam advogados. A PGFN já estimou que existem, pelo menos, 19 teses jurídicas sobre essas contribuições com valor em discussão da ordem de R$ 800 bilhões.
A lei que retomou o voto de qualidade do CARF também alterou regras nas transações de “teses de alta controvérsia” justamente para torná-las mais atrativas e ampliar o volume de transações. O cálculo da equipe econômica é de que só esse ajuste pode trazer uma arrecadação de R$ 12 bilhões em 2024. No total, a meta da Fazenda é embolsar R$ 43 bilhões com transações tributárias de grande e pequeno valor neste ano.
No caso do edital sobre lucros no exterior, cuja adesão foi aberta no último dia 2, os pagamentos terão um valor mínimo de 6%. Contudo, a estratégia para atrair mais adesões foi ampliar o abatimento sobre valor total, juros, multas e encargos para quem pagar em menor prazo o restante do débito. Os descontos variam de 30% a 65% para pagamentos entre seis e 30 meses.
Por ter sido lançado diante de uma demanda específica de algumas grandes empresas, a expectativa é de que a adesão seja alta. “O que se diz é que muitas das empresas farão a adesão. São processos que já estavam em fase final no CARF, com as companhias perdendo. Então possivelmente teremos adesão grande nessas teses em específico”, afirmou ao Broadcast a head da área tributária e sócia do GVM Advogados,
Maria Carolina Sampaio, destacando também que os benefícios previstos no edital estão “melhores”. Advogada tributarista do escritório Bento Muniz Advocacia, Márcia Sepúlveda, avalia ainda que o novo momento com o Fisco vem de uma evolução que começou com mudanças legais em 2020, e que ganharam “musculatura” com as últimas regulamentações. “A expectativa de arrecadação no âmbito da consensualidade decorre também de outras estratégias que vêm sendo utilizadas desde a lei de 2020 (…) E com as últimas alterações, a previsão do tratamento do contencioso fiscal passou a ser mais vantajosa, mais aberta, um pouco mais atrativa que anteriormente”, disse Sepúlveda.
Apesar da boa expectativa, Sampaio tem dúvidas sobre o alvo anual de arrecadação do governo com os acordos tributários. Embora reconheça que a atual gestão, além de ter ferramentas legais melhores, tem ímpeto de arrecadar rápido e limpar o contencioso, a advogada aponta que muitos contribuintes ainda não querem desistir de certas discussões, por acreditarem em decisões favoráveis da Justiça, por exemplo.
“Muita discussão que o governo entende como perdida, os contribuintes ainda acreditam. Se não tem nada de majoritário nos tribunais superiores, é difícil fazer previsão. Aí, via de regra, as discussões continuam”, disse Sampaio. Esse comportamento tende a aparecer especialmente nos editais que tratarem de controvérsias de PIS e Cofins. E, se a arrecadação começar a frustrar, o governo pode se ver obrigado a reabrir transações de certos temas, como já aconteceu no passado. “[Nos casos em que não há manifestação de tribunais superiores] teria que dar descontos muito bons. E é o que eles estão tentando fazer”, concluiu a tributarista.
Embora haja expectativa de prorrogação, essa opção é vista como menos provável por integrantes da Fazenda ouvidos pelo Broadcast. “A ideia é lançar novos temas, mas com prazo definido”, disse uma fonte. Segundo esse interlocutor, há interesse em lançar um novo edital em breve, mas as equipes ainda estão estudando os assuntos que são sugeridos, para equilibrar os interesses de contribuintes e governo.
A publicação desse primeiro edital para a transação de lucros no exterior veio na esteira de uma consulta pública avaliada como bem-sucedida por integrantes do Ministério da Fazenda, que consideram produtivo o debate do governo com a advocacia e sociedade para as teses tributárias. Por isso, PGFN e Receita já têm um formulário aberto, para receber sugestão de novos temas.
Fonte: Broadcast | Por Amanda Pupo e Fernanda Trisotto